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Úlcera varicosa de membros inferiores

As úlceras venosas representam entre 68 a 72% do total das úlceras encontradas nos membros inferiores e constituem um grande problema para seus portadores e para os serviços de saúde. São conseqüência da perda tecidual resultante das alterações do tecido cutâneo e subcutâneo decorrentes da hipertensão venosa. Recebem também a denominação de úlcera de estase venosa. Estima-se que 2 a 4% da população desenvolverá úlcera venosa em algum momento da vida e que a ocorrência no sexo feminino continua sendo o dobro com relação ao sexo masculino.

A úlcera de estase venosa é a manifestação mais avançada do sofrimento tecidual. Todos os sinais anteriores da hipertensão venosa, tais como varizes, edema, lipodermatoesclerose, pigmentação, eczema, costumam estar presentes na topografia e no entorno da área ulcerada.

 

O que pode causar as úlceras venosas dos membros inferiores?

 

Embora muitos aspectos fisiopatológicos envolvidos na formação da úlcera venosa permaneçam no terreno do contencioso, alguns aspectos, como veremos a seguir,  já estão exaustivamente comprovados.Nos membros inferiores o sistema venoso pode ser subdividido em superficial e profundo de acordo com sua posição em relação à fáscia. O sistema venoso profundo, situado no interior das fáscias e numa íntima relação com os feixes musculares, converge para formar as Veias Poplítea e Femoral. A veia Safena Magna que tem seu trajeto na face medial do membro desde o pé até a prega da virilha e a Safena Parva que percorre a face posterior da panturrilha, são os principais troncos do sistema venoso superficial e respondem pelo retorno venoso dos tecidos subcutâneos, pele e adjacências.

 

Esses dois sistemas se comunicam através de veias que perfuram a fáscia e que são por isso chamadas de veias perfurantes. Caprichosamente, as veias desses três sistemas são dotadas de uma estrutura valvular que orienta o fluxo sanguíneo em uma única direção. De tal forma que, em condições normais, o fluxo venoso transita do sistema venoso superficial para o profundo e de baixo para cima em direção ao coração.

O equilíbrio e o funcionamento harmonioso desse sistema faz com que o indivíduo em repouso e deitado tenha uma pressão venosa medida no tornozelo em torno de 10mmHg e,  ao se por em pé e parado, de cerca de 80mmHg por ação da pressão hidrostática – peso da coluna vertical de sangue desde a aurícula direita até o tornozelo. A compressão da planta dos pés – bomba plantar – e a compressão dos músculos da perna – bomba da panturrilha – que ocorre com a deambulação comprimem as veias e impulsionam o sangue direcionado pelas válvulas no sentido do coração. Na deambulação normal os músculos da panturrilha fazem cair a pressão venosa em aproximadamente 70% nas extremidades inferiores. Ao voltar à condição de  repouso a pressão retorna ao níveis normais em aproximadamente 30 segundos e as veias profundas voltam a se encher com o sangue provenientes das perfurantes e dos músculos. E esse ciclo se repete indefinidamente, com o sangue seguindo sempre no mesmo sentido: do superficial para o profundo e deste para o coração dentro de um regime de pressão que mantém o equilíbrio das trocas metabólicas no território capilar arterial, venoso e linfático.

Qualquer evento que dificulte essa dinâmica do retorno venoso provocará maior ou menor alteração na pressão venosa. Tanto o sistema venoso superficial, como o profundo ou ambos, podem estar envolvidos no desencadeamento e manutenção desse estado hipertensivo e a conseqüente estase venosa. Em situações de mau funcionamento venoso aquela pressão em deambulação diminui em apenas 20% e assim permanece após o repouso por um tempo excessivamente prolongado. Estabelece-se então o ambiente de hipertensão venosa crônica.

O bloqueio ao fluxo venoso – total ou parcial - pode ocorrer em algumas circunstâncias, tais como episódios de trombose venosa e compressões extrínsecas. Quando esse bloqueio se torna prolongado ou resulta em danos irreversíveis do sistema valvular o retorno venoso se torna ineficiente e toda uma sucessão de eventos vai se desencadeando, levando ao aumento da pressão venosa regional, dilatação das veias, mais incompetência valvular, mais hipertensão e assim sucessivamente.

O fator inequívoco e determinante é o refluxo venoso que decorre da falência do funcionamento do sistema valvular. Este, por sua vez, pode ser de causa primária ou secundário às doenças que interrompem ou dificultam temporária ou definitivamente o fluxo, tais como, trombose, compressões externas, varizes, etc.
A falência do sistema valvular e a hipertensão venosa dela resultante vão lentamente promovendo as alterações que desequilibram a relação de trocas metabólicas no leito venoso capilar. A manutenção do estado hipertensivo vai agravando esse desequilíbrio e vai iniciar os danos à pele que caracteriza a formação ulcerosa.

O sistema venoso, desprovido de sua capacidade de direcionar o fluxo para o coração, passa a acumular sangue não oxigenado e pobre de nutrientes, rompendo o equilíbrio nas trocas entre o meio intravascular e os tecidos perivasculares. A drenagem promovida pelo sistema linfático também fica comprometida, em grau variável, e o linfedema resultante agrava as condições do ambiente extravascular.

Várias teorias vem sendo apresentadas ao longo do tempo para explicar o desenvolvimento das úlceras num ambiente de hipertensão venosa cronificada, congestão venosa e hipóxia regional. Entre as hipóteses apresentadas na patogenia das úlceras de estase está a dificuldade de difusão do oxigênio para os tecidos através da espessa bainha de fibrina perivascular. Por outro lado, macromoléculas que vazam para os espaços perivasculares seqüestram os fatores de crescimento necessários à manutenção da integridade celular cutânea. Além do mais, o fluxo de leucócitos torna-se lento pela congestão venosa, oclui os capilares, são ativados e danificam o endotélio vascular o que, por sua vez, prepara o ambiente para a formação da úlcera

 

Na prática, ao pesquisar as possíveis causas de úlceras nos membros inferiores deve-se ter em mente:

 

 

  • Presença de varizes (essenciais ou secundárias)

  • História familiar de úlcera de perna

  • Insuficiência valvular venosa profunda

  • Síndrome pós-trombótica

  • Compressões venosas extrínsecas

  • Antecedente de oclusões venosas (na maioria das vezes por trombose) e de episódios de flebite

 

 

Todas as situações acima podem estar na origem dos fenômenos que resultam na hipertensão venosa responsável pela insuficiência venosa crônica e ulceração venosa.

 

Como podemos diagnosticar a úlcera venosa

 

Diagnóstico Clínico

 

A úlcera venosa apresenta características peculiares que tornam possível diferenciá-las, quase sempre com certa facilidade, das feridas provocadas por deficiência de circulação arterial ou por comprometimento neurológico. É absolutamente necessário o reconhecimento da causa de uma úlcera de perna antes do início do tratamento. Um diagnóstico incorreto pode levar a condutas inapropriadas, especialmente no que diz respeito à compressão extrínseca indispensável no tratamento das úlceras venosas.

A avaliação da circulação arterial é obrigatória nos pacientes com úlcera de perna. A palpação dos pulsos distais e a medida do IPTB (Índice de Pressão Tornozelo/Braço) oferecem os elementos básicos necessários para o diagnóstico diferencial com as feridas isquêmicas. O IPTB é o resultado da divisão da pressão sistólica em artéria do pé pela pressão sistólica do braço, que nos pacientes normais está próxima de 1,0. Falsos resultados podem ser obtidos em pacientes diabéticos. 

Figura - Presença de varizes; notam-se botões varicosos intradérmicos e subdérmicos perimaleolares de onde costumam ocorrer episódios de varicorragia;

a região eritematosa e com sinais de eczema revela o local onde

certamente terá início a formação da úlcera.

Nesta fase o paciente refere intenso prurido.

As úlceras venosas privilegiam o terço distal das pernas e primariamente se localizam na face maleolar medial. Quando não infectadas costumam apresentar um leito amarelado com áreas de tecido fibrinoso e a pele do entorno tem alterações bem características: edema, pigmentação ocre decorrente do extravasamento de glóbulos vermelhos e conseqüente deposição cutânea de hemossiderina (pigmento férrico derivado da hemoglobina pela degradação das hemácias), atrofia branca, lipodermatoesclerose. Em geral tem bordos rasos e irregulares. A presença de varizes no membro afetado e botões varicosos prestes a romper são achados muito freqüentes. Os pacientes referem prurido e alterações eczematosas. Estas muitas vezes decorrem do uso prolongado e inadequado de substâncias tópicas ao longo de determinados tratamentos.

A úlcera venosa não é habitualmente dolorosa e, quando acontece, costuma aliviar com o repouso e elevação do membro. As úlceras podem ser únicas ou múltiplas e em casos mais graves podem habitar toda a circunferência da perna.

Quando se verifica a presença de áreas de necrose ou exposição tendinosa convém pesquisar outras causas isoladas ou concomitantes, conforme sugerido abaixo:

Úlcera varicosa:

  • Em geral rasas e situadas na região da polaina - 1/3 médio e inferior da perna (gaiter área)

  • Presença de edema (nos casos mais crônicos o edema desaparece em decorrência da lipodermatosclerose)

  • Dilatações varicosas

  • Hiperpigmentação

  • Lipodermatosclerose

  • Atrofia branca

  • Eczema

Úlcera arterial:

  • Leito ulcerado seco, pálido ou com gangrena/necrose

  • Pele fria na região da extremidade

  • Pele brilhosa e esticada

  • Palidez da planta do pé

  • Hiperemia reativa presente na extremidade

  • Presença de gangrena

  • Pulsos  distais diminuídos ou ausentes e

  • ITB -Índice Tornozelo Braço - diminuído

Além desse exame clínico a história pode identificar fatores indicativos de etiologia não venosa e mista: doenças cardíacas, acidente vascular cerebral ou acidente isquêmico transitório, diabetes, claudicação intermitente, tabagismo, artrite reumatóide e outras colagenoses. Patologias associadas devem também ser procuradas quando úlceras hipoteticamente venosas não cicatrizam no prazo razoável de dois a três meses mesmo sendo aplicadas as condutas corretas.

 

Diagnóstico armado

 

 

​O diagnóstico das úlceras venosas é predominantemente clínico. Entretanto, em algumas situações onde a presença de outros fatores pode trazer dificuldades ao diagnóstico, há recursos de técnicas e métodos não invasivos de grande valia.

O Doppler é o exame padrão ouro para a avaliação funcional do sistema venoso dos membros inferiores. O Doppler mais simples – de ondas continuas – já fornece elementos significativos para o exame venoso. Entretanto o Doppler colorido fornece informações anatômicas e funcionais de elevado valor. Além de ser não invasivo e ser reprodutível, tem elevada acurácia, podendo fornecer dimensões venosas, velocidade de fluxo e especialmente a sua direção. Determinar os pontos de refluxo, obstruções, e até mesmo as condições valvulares são possibilidades desse exame.

A pletismografia, em suas diferentes modalidades, fornece importante assessoria na medida em que estuda a hemodinâmica venosa em repouso e pós exercício.Os exames mais invasivos tais como a flebografia ascendente e descendente permanecem reservados aos casos mais complexos.

 

 

 

Tratamento

 

 

O tratamento das úlceras venosas envolve um conjunto de medidas que deverão ser aplicadas de forma integrada. Antes de iniciar qualquer tipo de tratamento nas úlceras de origem venosa, é fundamental fazer o diagnóstico diferencial e descartar qualquer patologia arterial, conforme já explanado anteriormente.

O tratamento divide-se em medidas gerais, específicas e o tratamento medicamentoso.A primeira recomendação é sobre a importância de educar e esclarecer o paciente sobre sua doença, seu envolvimento com o tratamento e o planejamento da cura, pois isto melhorará o prognóstico e evitará a recidiva. A seguir, reiterar a importância de uma nutrição otimizada que estimule a cicatrização da ferida, mantenha a imuno-competência e diminua o risco de infecção. Deve-se garantir também, uma dieta rica em proteínas, zinco e vitamina C.

 

 

Medidas Gerais

 

 

​Controle da Insuficiência Venosa Crônica  para cujo tratamento existe um leque de soluções, que inclui desde técnicas cirúrgicas do sistema venoso superficial, profundo, perfurante( por via vídeo-endoscópica ou não), até escleroterapia, laser endovascular e radiofreqüência.

Dentre as recomendações posturais, a elevação dos membros inferiores por períodos prolongados, caminhadas intensivas e controladas, exercícios para melhorar a função da articulação do tornozelo e bombeamento dos músculos da panturrilha, pausas ativas nas atividades diárias evitando posições estáticas prolongadas, de pé ou sentado, representam medidas de fundamental importância no enfrentamento da úlcera varicosa.

O diagnóstico e controle de todas as doenças sistêmicas associadas ou não, que possam afetar a cicatrização, como Diabetes, Hipertensão Arterial, Desnutrição, Obesidade, Cardiopatias, Doenças Pulmonares obstrutivas crônicas é, sem dúvida parte integrante do tratamento.

 

 

Medidas Específicas

 

 

​O tratamento local da úlcera venosa requer uma série de cuidados específicos,tais como: retirar suavemente as bandagens, umedecendo-as com soro fisiológico, se necessário; a limpeza da úlcera deve ser simples,com solução salina ou água limpa, eliminando todo o resto de exsudação; os curativos devem ser de baixa aderência facilitando o manuseio e evitando dores à manipulação; evitar o uso de produtos sensibilizantes como pomadas com antibióticos em sua fórmula, corticosteróides tópicos, antissépticos tópicos como polividona iodada, solução de hipoclorito de sódio, ácido acético e outros; eliminar tecidos necrosados com desbridamento cirúrgico, mecânico, químico, enzimático e autolítico; tratar e evitar o edema e por último, a mais importante medida que consiste no enfaixamento adequado do membro acometido pela úlcera. A bandagem de compressão é utilizada para diminuir a dor, controlar o refluxo, melhorar a hemodinâmica venosa e reduzir o edema.

A compressão graduada é o padrão ouro e a principal ferramenta de tratamento das úlceras venosas, mas que não poderá ser realizada sem que se verifique o índice tornozelo-braço que deverá ser igual ou maior que 0,8, e a circunferência do tornozelo superior a 18 cm.. A alta compressão acelera a cicatrização da úlcera e é mais eficaz do que a baixa compressão, podendo chegar a pressões de até 35-40 mmHg no tornozelo e progressivamente decrescendo ao longo da perna até a porção alta da panturrilha. As bandagens e as meias de compressão devem ser receitadas e aplicadas por médicos ou enfermeiras experientes, que compreendam plenamente os conceitos, a prática e os perigos da compressão graduada, sem esquecer jamais o uso de acolchoado protetor sobre as proeminências ósseas.

 

 

Tratamento Medicamentoso

 

 

​Por tratar-se de úlcera pouco dolorosa, em geral o diagnóstico de infecção poderá ser feito pela presença deste sintoma. Neste caso analgésicos orais poderão ser muito úteis.Úlceras com secreção e mau odor podem gerar angústia nos pacientes e seus familiares, repercutindo muitas vezes em redução de apetite, isolamento social e depressão. Os germes mais freqüentes nestas úlceras são o estreptococo e o estafilococo, para os quais os antibióticos mais usados são os Betalactâmicos, Tetraciclinas, Macrólidios, Quinolonas.

A pesquisa bacteriologia é habitualmente desnecessária podendo ser indicada nas seguintes situações:

 

  • Exsudato purulento

  • Inflamação e celulite evidente

  • Dor de caráter progressivo e limitante

  • Aspecto de deterioração rápida da cictrização

  • Febre persistente

  • Odor fétido

Há muitas publicações envolvendo o uso da Pentoxifilina nas doses de 400 a 1200mg/dia em associação com o tratamento compressivo das úlceras venosas e que mostram cicatrização mais acelerada quando comparado com placebo.

O uso de Aspirina não apresenta evidência de ação nas úlceras venosas.

Há uma variedade de curativos úteis no tratamento das feridas com mau odor e infecção local à base de Carvão ativado, curativos de Prata, curativos de Alginato e Prata, hidrocolóides.

Como regra geral os curativos devem ser simples, de baixa aderência ao leito ulcerado, baixo custo e ter a aceitação do paciente.

Em outro local deste site iremos dedicar especial atenção aos curativos avançados das feridas dos membros inferiores.

O prurido local pode ser tratado também por via sistêmica com antialérgicos, evitando sempre o uso de pomadas que possam sensibilizar ainda mais o local.

Finalmente, os enxertos cutâneos em suas diferentes modalidades tem sido usados, mas não há evidências publicadas de sua eficácia na cicatrização desse tipo de úlcera, se aplicados isoladamente.

O mesmo pode ser dito para as recentes técnicas de pressão negativa.

Começam a ser publicados trabalhos utilizando estimulação elétrica, terapia eletromagnética, laser de baixa intensidade e terapia ultrassônica. Entretanto, além da eventual contaminação por conflito de interesses, não há ainda conclusões confiáveis que lhes garantam espaço no arsenal do tratamento das úlceras de estase.

Literatura que recomendamos:

 

  • Chin GA, Diegelmann RF, Schultz GS: Cellula and Molecular Regulation of Wound Healing. Wound Healing 2005; 17-39.

  • Lazarus GS, Cooper DM, Knighton DR, et al: Definitions and guidelines for assessment of wounds and evaluation of healing. Arch Dermatol 1994 Apr; 130(4): 489-93

  • Mast BA, Schultz GS: Interactions of cytokines, growth factors, and proteases in acute and chronic wounds. Wound Repair Regen 1996; 4: 411-20.

  • Campbell WB, Halim AS, Aertssen A, Ridler BMF, Thompson JF, Niblett PG. The place of duplex scanning for varicose veins and common venous problems. Ann R Coll Surg Engl 1996;78: 490-3

  • Grabs AJ, Wakeley MC, Nyameke I, Ghauri ASK, Poskitt KR. Colour duplex ultrasonography in the rational treatment of chronic venous leg ulcers. Br J Surg 1996;83: 1380-2

  • Sabolinski ML, Rovee DT, Parenteau NL: The efficacy and safety of Graftskin for the treatment of chronic venous ulcers. Wound Repair Regen 1995; 3: 78

  • Trent JT, Falabella A, Eaglstein WH: Venous ulcers: pathophysiology and treatment options. Ostomy Wound Manage 2005 May; 51(5): 38-54; quiz 55-6

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